CARTA ABERTA À ASSEMBEIA LEGISLATIVA DO AMAPÁ
A democracia moderna se caracteriza, no aspecto da estrutura de poder, pela chamada separação de poderes. Nesta perspectiva, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são autônomos e harmônicos. A autonomia fica assegurada, entre outros fatores, quando os poderes dispõem de recursos financeiros suficientes para manter suas competências constitucionais sem necessidade de pedir recursos a outro poder e sem que isso impeça que outro poder fique impossibilitado de exercer suas respectivas competências.
O Estado do Amapá, nestes últimos anos, no aspecto do financiamento dos poderes, vive uma situação singular: O orçamento da Assembléia Legislativa tem sido de um valor muito elevado, se comparado a órgãos do Poder Executivo que executam também importantes funções de governo. Infelizmente o Governo do Estado não é transparente e as informações sobre execução orçamentária não estão disponíveis para a sociedade. O quadro a seguir apresenta informações sobre o orçamento da Assembléia Legislativa e de outros órgãos do Estado, relativo ao exercício de 2009.
Quadro 1 – Orçamento do Estado do Amapá – Exercício de 2009
Órgão | Orçamento |
Assembleia Legislativa | 90.936.725,00 |
Tribunal de Contas do Estado | 45.625.866,00 |
Secretaria de Justiça e Segurança Pública | 32.997.477,00 |
Secretaria de Indústria e Comércio | 3.811.014,00 |
Secretaria de Trabalho e Empreendedorismo | 5.069.114,00 |
Secretaria de Ciência e Tecnologia | 1.761.471,00 |
Secretaria de Meio Ambiente | 1.740.935,00 |
Secretaria de Turismo | 8.653.107,00 |
Polícia Militar | 5.387.025,00 |
Polícia Civil | 4.200.180,00 |
Corpo de Bombeiros | 4.167.969,00 |
Universidade do Estado do Amapá | 3.093.216,00 |
CAESA | 6.729.450,00 |
CEA | 5.408.498,00 |
As informações apresentadas permitem identificar que o orçamento da Assembléia Legislativa é imensamente maior que o orçamento de diversas secretarias e órgãos de Estado que executam importantes políticas públicas. Neste sentido, o valor do orçamento mensal da Assembléia, chamado duodécimo (orçamento anual dividido por 12) é R$ 7.578.060,41, ou seja, é maior que o orçamento anual de diversas secretarias e órgãos do governo.
É possível, ainda, estabelecer outra comparação. Dividindo o orçamento da Assembleia por 24 (que é o número de deputados estaduais) tem-se o valor de R$ 3.789.030,21 significando que em 2009 cada deputado custou ao povo amapaense quase quatro milhões de reais. Portanto, o custo anual de um deputado estadual é maior que o orçamento de importantes órgãos do Estado, como SEMA, SETEC e a Universidade do Amapá.
É importante estabelecer uma ressalva. No Poder Executivo, as despesas de pessoal não estão distribuídas pelas diversas secretarias e órgãos, mas agrupadas apenas na Secretaria de Administração. Todavia, mesmo que as despesas de pessoal estivessem rateadas nas Secretarias, ainda assim seus orçamentos seriam menores que o da Assembléia.
Pode-se, também, estabelecer comparação com o Poder Judiciário. Em 2009, o orçamento do Tribunal de Justiça foi de R$ 143.726.391,00. Todavia, é preciso destacar que o Tribunal de Justiça possui comarcas nos dezesseis municípios, tem aproximadamente 800 servidores concursados, 65% dos seus cargos comissionados são ocupados por servidores concursados, e está plenamente informatizado. Por seu lado, a Assembleia Legislativa está instalada apenas em Macapá e possui somente 136 servidores concursados.
Essa discrepância orçamentária decorre da forma de definição dos orçamentos dos poderes. Nos últimos anos, a Assembléia Legislativa tem estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO que os orçamentos da Assembléia, do Tribunal de Contas do Estado, do Tribunal de Justiça e do Ministério Público Estadual são definidos por um percentual da Receita Orçamentária efetivamente realizada. Assim, por exemplo, no orçamento/2009, os orçamentos da Assembleia, do Tribunal de Contas do Estado, do Tribunal de Justiça e do Ministério Público Estadual foram, respectivamente, 4,98%, 2,5%, 6,45%, e 3,5% da Receita Orçamentária efetivamente realizada. Sobre essa forma de definição dos orçamentos, há duas considerações a fazer:
De acordo com a Constituição Estadual, a LDO deve ser aprovada pela Assembléia até 30 de junho e o projeto de lei orçamentária deve ser enviado àquela Casa de Leis até 30 de setembro. Isso significa que antes mesmo de saber qual será o valor da receita do Estado, a Assembléia define que percentuais dessa receita devem ser destinados aos poderes. Dessa forma, a Assembléia define o seu orçamento não pelo prisma da despesa (quanto recurso necessita para desenvolver suas ações), mas pelo prisma da receita (do valor que o Estado arrecadar, um certo percentual pertence à Assembleia).
Outra implicação é que o orçamento da Assembléia não é fixo. Como ele é um percentual da receita corrente líquida, havendo excesso de arrecadação (o que ocorre todo ano), o orçamento da Assembleia cresce na mesma proporção, independentemente das necessidades reais de gastos do Poder.
O Instituto Raça Humana e demais entidades, cidadãos e cidadãs que subscrevem este documento, não pretendem que a Assembleia Legislativa não obtenha o orçamento necessário para o desempenho de suas funções constitucionais. Consideramos que a Assembleia exerce funções fundamentais para o processo democrático. A primeira delas é aprovar leis de interesse público, e a segunda é fiscalizar as ações do Poder Executivo. Neste último caso, no entanto, os recentes fatos evidenciados pela Operação Mãos Limpas, realizada pela Polícia Federal, demonstram que a Assembleia não vem cumprindo com eficácia sua função constitucional de fiscalizar o Poder Executivo.
As informações apresentadas permitem inferir que a Assembleia Legislativa tem custo elevadíssimo para o povo amapaense, mas não oferece benefícios concretos à população. Toda a sociedade amapaense tem sofrido com as graves deficiências das ações públicas. Todavia, a Assembleia sempre se manteve silenciosa quanto ao sofrimento do povo e sua ação, quando existiu, não trouxe ganhos concretos à sociedade.
Em razão do exposto, os cidadãos abaixo assinados exigem da nova Assembleia Legislativa a execução das seguintes ações:
a) Seja alterada a forma de definição dos orçamentos dos poderes, de forma que os mesmos reflitam a real necessidade de recursos para desenvolver suas competências constitucionais;
b) O imediato cumprimento da chamada Lei da Transparência. Para tanto, a Assembleia deve manter um portal eletrônico, em tempo real, com todos os dados sobre as receitas recebidas e as despesas executadas, contendo as seguintes informações:
b.1 Todas as despesas realizadas por cada deputado com as chamadas “verbas de gabinete”, contendo as pessoas físicas e jurídicas e respectivos valores recebidos;
b.2 Todas as fiscalizações procedidas em órgãos públicos e empresas privadas, contendo o objeto da fiscalização, as ocorrências encontradas, as medidas sugeridas, as providências adotadas e os resultados alcançados;
b.3 A atuação de cada deputado, como: frequência às sessões, viagens de interesse da Assembleia, projetos de lei apresentados, projetos de lei aprovados, requerimentos aprovados, participações em comissões, etc;
c) Aprove lei de instituição de Plano de Carreira da Assembleia, em qualidade e quantidade compatível com a natureza de suas competências e compatível como os planos de outras casas legislativas;
d) Realize concurso público por intermédio de empresa de reconhecimento nacional para preenchimento das vagas criadas pelo Plano de Carreira;
e) Estando a LDO para o exercício de 2011 já aprovada, que seja reduzido o percentual da Assembleia para 2,5% da Receita Orçamentária.
Instituto Raça Humana – Presidente Ronaldo Serra
Subscrevem
Ordem dos Advogados do Brasil – Secção/AP; Sindicato dos Serventuários da Justiça; Movimento Mãos Limpas; Confraria Tucuju; Fernando Canto – Sociólogo; Paulo Sérgio Alves Bezerra – Auditor do TCU-AP; José Carlos Tavares – Reitor da Unifap; Alcilene Mª C. Cavalcante Dias – Administradora e Jornalista; Carlos Augusto Tork de Oliveira – Advogado; José Ronaldo Serra Alves – Advogado; Wagner Costa Gomes – Advogado; Jucicleber Castro – Engenheiro; Márcia C. Pinehiro Corrêa – Jornalista; Ana Girlene Dias de Oliveira – Jornalista; Job Miranda de Moura – Pres. Sinjap; Telma Terezinha Costa – Advogada; Edinaldo Batista – Movimento Mãos Limpas; Telma Oliveira – Professora; Fátima Lúcia Guedes – Socióloga; Vitória Machado – Psicóloga.
fonte: http://www.alcilenecavalcante.com.br/alcilene/carta-aberta-a-assembeia-legislativa-do-amapa